Aporia é uma paisagem sonora inspirada na New-Age, que teve origem em jam sessions nocturnas de várias horas, levadas a cabo por Lowell Brams e Sufjan Stevens. Uma obra de amor entre padrasto e enteado, sem canções memoráveis, mas ambiciosamente brilhante.
Foi Lowell Brams quem comprou o primeiro keyboard ao pequeno Sufjan Stevens, a primeira guitarra e o primeiro kit de gravação. Quando, aos 23 anos, se mostra pronto para dar vida ao seu primeiro álbum, foi Lowell Brams quem não descansou até fundar a Asthmatic Kitty Records, editora independente que ainda lhes pertence. Ao terceiro disco de originais acontece o reconhecimento mundial de Sufjan Stevens e Michigan (2005) é também um bocadinho da sua infância com Lowell. O mesmo Lowell do aclamado Carrie & Lowell (2015), concebido no seguimento da morte da mãe.
O casamento de Carrie e Lowell durou apenas cinco anos, mas o padrasto e enteado permaneceram ligados através da música. Ao longo de vários anos e diferentes moradas, jam sessions aconteciam de todas as vezes que se encontravam. Horas e horas de experimentação musical nocturna, entre um músico de profissão e um simples amante da electrónica, durante as quais se iam encontrando, sem terem necessariamente de chegar a um lugar.
Olhar para Aporia (2020) apenas enquanto nono produto de Sufjan Stevens é ignorar toda uma história entre o próprio e o seu co-autor. É certo que Lowell apenas participou no bruto, que Sufjan foi rebuscar no ano passado, quando o padrasto decide trocar a editora pela reforma. Da nostalgia nasceram as 21 faixas de um disco com apenas 44 minutos de duração, num momento mágico de brevidade do homem-libelinha.
À primeira audição, Aporia desaponta. Tudo parece demasiado disperso e ao mesmo tempo vindo de um longínquo filme de ficção científica que não reconhecemos. Contudo, a cada nova oportunidade que damos a Aporia (de fones nas orelhas), temas como “Agathon”, “Climb That Mountain” e “Captain Praxis” começam a fazer sentido, até nos enamorarmos por “The Runaround”, a única faixa com voz. Envolvemo-nos na película e aceitamos, então, que não estamos perante um disco com temas memoráveis como “Mistery of Love”, “Forth of July” ou “Chicago” porque, por muito que assim desejássemos, Aporia não foi imaginado para ser uma colecção de canções.
Quem não estiver para segundas oportunidades nunca vai conseguir descobrir Aporia e sua extraordinária paisagem sonora, inspirada na New-Age, mas também todos sabemos que a Sufjan Stevens isso jamais importou. Explorador exímio de géneros musicais intermináveis, é esta habilidade que ele tem de perder e ganhar fãs a cada novo disco que o transforma num artista muito único. Mal podemos esperar pelo seu próximo capítulo.