L’Homme à Tête de Chou é uma estátua de Claude Lalanne, que é igualmente um disco de Serge Gainsbourg, um bailado de Jean-Claude Gallotta, um disco de Alain Bashung, mas que poderia ser também um filme de Jean-Pierre Jeunet ou de Pedro Almodóvar, um conto light de Bukowski, ou até mesmo um espetáculo musical de Emmanuel Daumas. Para além daquilo que verdadeiramente é (a estátua, os discos e o bailado), L’Homme à Tête de Chou revela um universo que há muito me encanta e fascina, e que poderia, de facto, ser inúmeras outras coisas para além daquilo que referi. A riqueza do imaginário que surge do enredo por onde vagueiam as personagens Marilou e o seu amante (o narrador sem nome que acaba por matá-la) é de tal maneira grande, que todas as divagações são possíveis. Sempre que ouço o disco de Gainsbourg, ou a reprise póstuma feita por Alain Bashung, fico com mais algumas ideias em carteira. São inesgotáveis os sentidos dramático, trágico e cómico da obra em questão. No fundo, tudo isto acontece porque em cada um de nós tenderá a haver um “homem com cabeça de repolho” a despontar, mais tarde ou mais cedo. Parece uma inevitabilidade masculina. A causa é só uma: a crise existencial da meia idade. Ou talvez ainda mais outra, que muitas vezes reside como base da primeira, que é a erotização do amor por mulheres bem mais novas. Mas vamos lá ao disco, antes que o eventual interesse suscitado por estas primeiras linhas venha a perder-se…
O enredo do disco (a história que nele se ouve) conta-se em três penadas, e representa uma descida aos infernos por causa de um súbito amor de um quadragenário por uma empregada do Chez Max, um cabeleireiro de homens. O narrador convida-a para jantar no dia em que a conhece (“Chez Max Coiffeur Pour Homme”), e fica ainda mais perdido de amores por Marilou quando a vê dançar reggae (“Marilou Reggae”). Marilou domina totalmente a relação (“Transit à Marilou”), e numa certa noite, ao entrar, de surpresa, em sua casa, o narrador surpreende-a com dois homens nus (“Flash Forward”). Em estado de choque, o narrador remete toda a situação presenciada para o universo de Tarzan e Jane (sendo que a figura feminina é, neste caso, Marilou), que salta de pénis em pénis como de liana em liana (“Aéroplanes”). Humilhado, o narrador sente as suas orelhas transformadas em folhas de repolho, ficando assim com a “tête de chou” que o título indica (“Premiers Symptômes”). Por fim, a tragédia adensa-se e o crime acontece. O narrador, fulminado pelos ciúmes e num estado de alguma demência mental, esmaga o crânio de Marilou com um extintor, tentando esconder o corpo inerte da amante morta debaixo da neve carbónica expelida pelo aparelho (“Meurtre à L’Extincteur” e “Marilou Sous La Neige”). Completamente louco, o narrador acaba por dar entrada num asilo psiquiátrico (“Lunatic Asylum”). Para além das canções citadas que documentam a ação contada, o disco conta ainda com a inicial “L’Homme à Tête de Chou”, “Ma Lou Marilou” e “Variations Sur Marilou”. No total, o álbum tem a duração de 31 minutos e 24 segundos, todos de inegável beleza musical. É, na minha opinião, o segundo melhor disco de Gainsbourg, apenas ultrapassado pelo inultrapassável Histoire de Melodie Nelson (1971), de que já aqui demos conta há algum tempo atrás, num texto que merece a vossa atenção.
L’Homme à Tête de Chou é um disco conceptual, e nele podemos encontrar um pouco de pop barroco, mas também aproximações ao jazz, ao funk, ao rock, ao reggae, tudo com a mestria particular da chanson française de Serge Gainsbourg. Com Gainsbourg nunca corremos o risco de nos darmos mal. Antes pelo contrário. Tente ouvir este L’Homme à Tête de Chou e verá que vai dar-me razão.
Bravo, Carladas. Muito bom.