Ao terceiro álbum, os TOY penduram o casaco kraut/psych/shoegaze para vestir algo que é tudo isso e muito mais: em Clear Shot, a banda encontra uma voz que, já sendo muito sua, passa a sê-lo a 100%. É único, pessoal e refrescante: renovaram-se e fizeram-no muito bem.
Há bandas que, por mais que apresentem um catálogo sónico riquíssimo e, até, com alguns de momentos de génio, nunca são apreciadas devidamente: os TOY são um desses grupos. Nunca se viram na nova cena psicadélica (acham que o rótulo não os descreve bem e, por isso, sem a recusar, sempre se afastaram dessa denominação), o que também ajudou a não serem acarinhados pelos membros da comunidade lisérgica como, por exemplo, os seus conterrâneos Temples. Devido à sua amizade com os britânicos The Horrors, havia até quem reduzisse sua música a uma mera imitação da praticada por Faris Badwan e companhia, sem, no entanto, haver razão para tal – além das roupas, as semelhanças eram efetivamente poucas.
No princípio de 2012, Tom Dougall, Dominic O’Dair, Charlie Salvidge, Alejandra Díez e Maxim Barron deixavam-se ficar para trás só para logo a seguir, em setembro desse ano, saltarem para a vanguarda do neo-psicadelismo com o seu álbum de estreia. Quinze meses depois voltaram a fazer a sua magia (desta feita, mais apurada), levando-nos até à nuvem de Oort no seu fogetão de guitarras, teclados e motorik. Em 2016, depois da experiência mística com os Sexwitch e da saída de Alejandra (substituída nos teclados por Max Oscarnold) os TOY regressam à Terra – com Clear Shot debaixo do braço e o selo da Heavenly no disco, a banda volta a mostrar que brincar na fronteira entre canções pop e a experimentação sónica pode resultar muito bem: o produto são as dez faixas que ouvimos nos 50 minutos do álbum.
Clear Shot reflete uma banda mais madura, mais em controlo do seu som, mas sempre à procura de novos modos de fazer as coisas – não é que fosse algo que antes não fizessem, mas para este terceiro registo o esforço para inovar é bastante maior (como, de resto, já tinham dito que queriam fazer). Neste álbum, com a ajuda do produtor David Wrench – engenheiro de som por trás de álbuns de Julian Cope, FKA twigs, Caribou, Jungle, etc. – os TOY exploram ritmos diferentes e nada familiares, influenciados pela sua viagem musical a Marrocos e ao Irão com Natasha Khan aka Bat For Lashes: o 6/8 em “Cinema” é simplesmente hipnotizante. As mudanças de tempo também são eximiamente empregues pela banda e conferem uma dinâmica fantástica às músicas (das quais a belíssima “Another Dimension” é o melhor exemplo), havendo ainda arranjos que lembram a baroque pop de Jacco Gardner (“Clouds That Cover the Sun” serve de transporte imediato para o gabinete de curiosidades do holandês) e, via este, os Beach Boys de Pet Sounds e SMiLE.
A dissonância é outra característica utilizada neste álbum com uma pontaria certeira – o seu uso não é despropositado nem demasiado prolongado e, se lá não estivesse, as faixas seriam certamente mais pobres. De facto, estas canções-alien acabam por ser as melhores do disco. “Jungle Games” aproveita a curiosidade que um conjunto de notas dissonates provoca para nos prender à música até Tom e Dominic fazerem as suas guitarras soltar, aparentemente do nada, uma das progressões de acordes mais belas do ano. É o equivalente sónico de caminhar perdido pela selva quando, de repente, se encontra a mítica El Dorado. Já em “Fast Silver” ouve-se um acorde estranhíssimo, sobre o qual harmónios celestiais brilham longamente, cozinhando um ambiente misterioso, negro e onírico que culmina no verso “If I hang around these streets too long, I’ll lose sight of the journey I’ve been on” e um swell momentâneo das guitarras que, tecendo a sua malha celestial, nos levam a um refrão curto e sonhador.
Esta sensibilidade imagética é muito desenvolvida pelos TOY neste seu terceiro LP: nele, cada guitarra é uma pincelada de cor numa tela vazia, cada teclado um frame dos 24 que, por segundo, passam no nosso cérebro. Todo o álbum evoca uma forte ambiência cinematográfica, em que cada elemento entra para construir uma paisagem e contar uma história. As próprias letras parecem pequenas narrativas que encaixam perfeitamente no mundo sonoro criado pela banda, contadas no estilo muito próprio de Tom Dougall e companhia. A homenagem mais direta à Sétima Arte é mesmo a faixa final do álbum, a sensual e dramática “Cinema”.
Apesar da agitação causada pela saída de Alejandra Díez, tudo acabou por correr de feição a este quinteto londrino – finalmente conseguiram justificar o tal torcer de nariz à etiqueta “rock psicadélico”, passando a abraçar diretamente outras facetas suas. Além de música psicadélica, nas faixas deste álbum ouvem-se outras influências como as guitarras jangly dos The Byrds (no bonito single “I’m Still Believing”, por exemplo), as bandas sonoras de Ennio Morricone (“Dream Orchestrator”), entre tantas outras coisas. É um álbum belo, dinâmico e completo. Contudo, não admira que, em entrevista ao The Line of Best Fit, weird pop seja o rótulo que os TOY aceitam para descrever o som deles: o terceiro LP dos britânicos é, também, o seu registo mais difícil – não se entra de cabeça nele e fica logo. Só depois de umas boas escutas e de lhe ser dedicada a devida e merecida atenção é que se começa a cimentar na cabeça uma ideia: este é o melhor trabalho da banda até agora.
Clear Shot promete, assim, romper de vez com qualquer preconceito de semelhança (dificílimo ouvir aqui os The Horrors) – se Toy era a lagarta (não no sentido de ser feio, mas sim de ser o mais simples) e Join the Dots o casulo, em Clear Shot a borboleta de cinco asas encontra a sua verdadeira forma e levanta voo. Esperamos, ansiosamente, para ver até onde vai.
belo single, este, adoro o orgãozinho fatela!