Seventeen Seconds é um álbum marcante na carreira dos The Cure. Como tantos outros, aliás. Só que este, pelos desenhos sonoros traçados a cinza e pela qualidade poética dos textos cantados, tem um encanto bastante particular. Uma floresta onde entramos para nos perdermos deliciosamente!
Aquele instrumental inicial de pouco mais de dois minutos não enganava. Se o soubéssemos escutar com a devida atenção, tínhamos nele uma espécie de prólogo, embora sem texto explicativo sobre o que viria a seguir. Os acordes iniciais de “A Reflection”, minimalistas e sombrios (sons que parecem vir de longe, de um outro tempo, batendo à nossa porta, mas sem grande urgência em querer entrar), dizem bastante sobre a ideia central do álbum. Quando saiu, em abril de 1980, Seventeen Seconds foi recebido por muita gente como um disco, o segundo, de uma banda que parecia ter vontade em continuar a dar seguimento ao lastro de Unknown Pleasures, dos Joy Division. É bom recordar que a corda que vitimou Ian Curtis esticar-se-ia mortalmente cerca de um mês após a aparição de Seventeen Seconds. Eram tempos sombrios, nebulosos e densos para o universo da música feita em terras de sua majestade. Closer, como sabemos, veio ao mundo logo a seguir, a dezoito de julho do mesmo ano, derradeiro e póstumo. A mente angustiada de Robert Smith começava verdadeiramente a manifestar-se.
A misteriosa capa de Seventeen Seconds é também reveladora do conteúdo que encerra. Pouco apelativa à vista, quase gélida e limpa como o metal. Sendo isso verdade, é também certo que a audição continuada do álbum permite que se entenda melhor essa imagem escolhida pela banda. Uma particularidade muito típica dos The Cure começa a notar-se neste disco. Certas canções são feitas com longos períodos instrumentais iniciais (é o caso da excelente “The Forest”) e só quase a um terço do seu tempo de duração ganham forma definitiva, já com voz, melodia e ritmo próprios. Em “Play For Today” repete-se a estratégia, e assim foram fazendo em vários outros temas de vários outros álbuns da discografia do grupo. No entanto, a grande e poderosa novidade que Seventeen Seconds traz é outra, e tem nome de génio: Simon Gallup. No extraordinário baixista, Robert Smith encontrou uma alma gémea pronta a embarcar com ele na grande aventura de dar corpo às suas aflições, medos, angústias e incertezas. Ambos iniciaram em 1980 uma parceria bastante produtiva, das melhores de toda a história do pop-rock mais tenso e sombrio. A bateria seca de Laurence Tolhusrt e as teclas de Matthieu Hartley merecem igualmente referência, pois com todos o disco e a banda entraram em eixos seguros, de forma a neles conseguirem continuar a efetuar um caminho muito próprio. Com os discos seguintes, Faith (1981) e Pornography (1982), os The Cure construíram uma tríade sonora cada vez mais claustrofóbica, acentuadamente densa e opressiva, mas portadora de uma magia intensa e bela, onde as palavras de Robert Smith vão ganhando natural destaque pela inquietante vertente literária dos seus textos.
Seventeen Seconds é um disco de ignição. Com quase quarenta anos de vida, pode dizer-se dele inúmeras coisas. As que referimos não farão jus à sua enorme qualidade. Estamos em crer que é um disco algo esquecido, perdido no meio de tantas futuras obras maiores da banda. No entanto, estamos seguros de que sem este arranque tão idiossincrático, o caminho de Robert Smith e companhia teria sido outro. Qual, não sabemos, mas outro, sem margens para quaisquer dúvidas. O próprio líder e mentor do grupo chegou a afirmar que Seventeen Seconds foi uma verdadeira e importante conquista para a sua banda. Palavras sábias, com as quais concordamos plenamente.