Terei sido dos primeiros (eu e muitas outras largas centenas de ouvintes, mas mesmo assim…) a render-me ao particular encanto de Suzanne Vega. Nem esperei por “Luka” (hit mundial do seu fabuloso segundo longa duração) para me assumir como fã, uma vez que “Marlene On The Wall”, “Cracking”, “Small Blue Thing” e “The Queen And The Soldier”, entre várias outras canções, tinham o condão de me arrepiar e de me deixar estarrecido, coisa que ainda acontece nos dias que correm. Terei encontrado nesse seu primeiro disco homónimo (Suzanne Vega, 1985) uma compositora e uma intérprete de exceção. Uma espécie de Leonard Cohen no feminino. Ainda hoje considero Suzanne Vega uma belíssima voz, no que a expressão possa ter de mais abrangente, e não apenas literalmente ligada ao seu mérito vocal, que não sendo grandioso, serve maravilhosamente o produto final. Poucas intérpretes terão tido um início de carreira tão promissor. Os seus três primeiros discos formam um todo coeso, pessoalíssimo, difícil de destronar: o já referido primeiro disco, e os segundo e terceiro trabalhos Solitude Standing e Days Of Open Hand são de tal forma poderosos, que me atrevo a dizer que nunca mais a excelência de Suzanne Vega se afirmou da mesma forma. No entanto, e passados quase trinta anos do seu arranque, a cantautora norte-americana não esteve parada, e por entre outros bons discos, alguns Best Of e retrospetivas muitos íntimas da sua carreira (é muito interessante o que fez nos quatro volumes Close Up nos tempos mais recentes), Suzanne Vega está de volta com um trabalho de originais, e isso é sempre uma boa notícia. Para mais, e daremos conta desse facto quando chegar o momento, no dia 6 de julho próximo, poderemos ouvir a sua voz no EDP Cool Jazz, no extraordinário espaço dos Jardins do Marquês, em Oeiras.
Por agora, aquilo que mais importa é Tales From The Real Of The Queen Of Pentacles, título longo e algo desajeitado do seu mais recente LP. Depois de duas ou três audições bastante atentas, apetece dizer que nada se alterou. Ou, para não ser tão taxativo, as bases composicionais são as mesmas, a voz a mesmíssima, o trabalho da palavra poética cantada continua superlativo. Aliás, para quem a conhece há muito, seria muito pouco provável esperar que Suzanne Vega surgisse transfigurada, modelo de qualquer outra coisa que não ela própria, autenticamente a mesma, imutável na sua essência. É assim que gosto dela, daí a minha satisfação. No entanto, e tendo sempre como referência o percurso por inteiro, e não apenas a última parte desse caminho, tenho também de afirmar que estas dez novas canções, sendo de boa qualidade, estão fora do lote da sua melhor colheita. Melhor dizendo, e para que fique clara a minha posição, não há uma canção que se destaque assim tanto e que mereça, por força de uma ainda maior qualidade, figurar no Olimpo dos seus melhores momentos. “Crack In The Wall”, por exemplo, é lindíssima, mas falta-lhe o ouro do génio de “Cracking”. A primeira abre o seu recente trabalho, a última abre o primeiro, não deixando de ser curiosa a proximidade de ambos os títulos. Outros bons exemplos de ótimas canções são “I Never Wear White”, com guitarra ruidosa (sim, para a autora em questão, o que aqui se ouve já é algo invulgarmente ruidoso) e letra assertiva a propósito, mas também “Portrait Of The Night Of Wands”, de tom mais clássico, mais cosy, como Suzanne Vega sabe tão bem fazer.
(…adorava poder adormecer, nem que fosse em sonho, com a elegância da sua voz colada aos meus ouvidos, sussurrada, hipnótica, quase surreal…)
“Silver Bridge” é outro belíssimo momento, como também é “Horizon (There Is a Road)”, tema que fecha o álbum, e que deixa vontade, depois de ouvido, de carregar no botão do repeat. Que bonita e elegante trompete, a que por lá irrompe, a meio da cancão! Quase comovente, de tão bela. Há, aliás, uma espécie de beleza trágica em boa parte das composições de Suzanne Vega, bem como nas histórias que nos conta. Esse sempre foi, e ainda é, um dos seus maiores predicados, na minha opinião.
Tales From The Real Of The Queen Of Pentacles mostra ser um bom disco, e sinto nele hipóteses bem realistas de crescer ainda mais, mas não pertence (e julgo que nunca irá pertencer) ao primado maior dos seus primeiros trabalhos. Veremos como resulta ao vivo. Para já, ele está bem vivo na minha cabeça, e vai servindo de link com um passado musical, que estando distante, nunca esteve tão perto como agora. A constância pode ser um trunfo, uma qualidade sem par, e Suzanne Vega conhece bem essa verdade.