Home Counties é o bem-sucedido regresso dos Saint Etienne, ingleses que nunca falham em entregar pop desenhada a regra e esquadro, com um irrepreensível bom gosto.
Creio que qualquer melómano que se preze já terá passado por isto: descobrir um disco perfeito de determinada banda e desatar a comprar o resto, à procura de reviver esse mágico momento em que tudo se alinhou. É claro que isto acaba sempre em desilusão: é impossível replicar as condições emocionais e até biológicas em que nos encontramos quando descobrimos certos álbuns, que nos falam como se fossem escritos para nós, naquele momento.
Sucedeu-me isso com os ingleses Saint Etienne, e com a sua obra-prima Good Humour, de 1998. O trio (Bob Stanley, Pete Wiggs e Sarah Cracknell) nasceu no início dos anos 90 com uma matriz de pop electrónica, com espaço para alguma folk. Em 1998, Good Humour trouxe-os com menos máquinas e um som mais orgânico, uma orgia deliciosamente retro feita de ié-ié, swinging London, soul-pop e até disco, num álbum recheado de grandes singles. Desde então, nunca mais perdi os Saint Etienne de vista, na esperança de os ver repetir a façanha. Nunca aconteceu, naturalmente, e essa é a história, também, deste novíssimo Home Counties.
Chegado cinco anos depois de Words and Music by Saint Etienne, Home Counties é um disco britânico até à medula, em termos de letras e de imaginário, uma viagem pela Inglaterra suburbana. Aquelas cidades construídas em redor de Londres, lugares com pouca ou nenhuma história, subúrbios de casas grandes e segredos maiores, mas que nunca ganharam carácter ou verdadeira personalidade. Musicalmente, a matriz continua a ser a tal pop electrónica, mas há espaço para vários exercícios de estilo mostrando que os Saint Etienne estão desenhados para construir bandas-sonoras à medida do freguês. A própria sequência desenrola-se como uma emissão de rádio, dando alguma coesão ao alinhamento.
Ok, não é Good Humour. Tirado isso da frente, o trabalho pode ser julgado pelos seus próprios méritos. E o que temos é um disco sólido, que brilha quando as máquinas dão o seu lugar aos instrumentos orgânicos e permitem aos músicos esticar as melodias, sempre piscando o olho aos tempos das revolucionárias mini-saias em Carnaby Street. E, na verdade, a voz de Sarah Cracknell continua tão sedutora como sempre, elevando sempre as coisas a um nível acima.
Há um problema difícil de resolver, que é o simples tamanho do disco. São 19 temas (alguns são apenas interlúdios, mas ainda assim…), acabando por revelar as fraquezas de Home Counties. Por cada música forte há outra mais fraca, pelo que um disco mais curto e com uma edição mais certeira teria dado com certeza um resultado mais convincente.
Destacamos “Dive”, talvez a malha mais pop da carreira dos Saint Etienne (um single extraordinário que tresanda a praia e bebidas frescas, com um irresistível toque a tema favorito a dar finalmente a vitória na Eurovisão ao Reino Unido); o desconforto lento de “What Kind of World”; o encerramento instrumental com a dramática e bonita “Angel of Woodhatch”; e o grande centro emocional do disco, “Sweet Arcadia”, quase oito minutos de Cracknell em registo spoken word, embalada por uma paisagem sonora que vai mudando e andando como um comboio pelas terras do Reino Unido, lembrando o que os Pulp também haviam feito, de forma deliciosa, em “DuckDiving”.
Home Counties é um regresso que os fãs dos Saint Etienne certamente apreciarão, e mais um exemplo da mestria pop e do bom gosto destes ingleses.