Quem já leu ou viu “As Crónicas de Nárnia” sabe bem o que é entrar num armário e ser surpreendido com um mundo completamente novo e diferente. Mas quem nunca viu nem ouviu Jacco Gardner ao vivo, não sabe como é entrar dentro da mente de um jovem holandês, onde alegremente Syd Barrett, Beach Boys e Georges Méliès cantam e dançam à volta de uma fogueira.
Na fila que se fazia à porta do Musicbox, no Cais do Sodré, o clima ainda não era o que chegaria por volta das onze e meia da noite. Os curiosos espectadores travavam batalhas infindáveis com a chuva e o vento que, mesmo debaixo de um “túnel”, se faziam sentir. Finalizadas as entradas, o público ansiosamente esperava a chegada ao palco da estrela da noite: Jacco Gardner. E que melhor maneira para entrar do que com a canção do disco homónimo, Cabinet of Curiosities? Estavam feitas as apresentações.
Quem fechasse os olhos, facilmente via – sim, via – as viagens coloridas e alucinantes que Gardner e os seus quatro ajudantes comandavam, de mãos postas em teclados, guitarras, bateria e outros instrumentos que abrilhantavam a sinfonia de pop barroco. Além da música, a banda vinha também acompanhada de outro elemento essencial à experiência: projecções de cinema surrealista do início do século XX, assim como da época predilecta do cantautor holandês, os anos 60.
A par de quase todas as canções do primeiro disco, Jacco Gardner apresentou ainda pedaços do que nos trará com o próximo álbum. Mais espaço para experimentação e viagem, melodias mais orgânicas e menos estruturadas. A cada canção que cantava, levava-nos cada vez mais profundo na sua floresta mental. A cada nota, um passo de dança ou um embalo. A cada batida, éramos nós as suas marionetas suspensas no meio do espaço.
O chapéu escuro que trazia era como um caldeirão de vida borbulhante. Música a música, a colher remexia, remexia e sempre fazia um “puff” diferente, uma explosão de cor diferente. Uma poção de psicadelismo que pelo som nos foi oferecida, sentindo-se só um bocadinho a falta de envolvência que o género por vezes pede. “But the life I see tells me nothing’s wrong with me”, cantava ele, agradecendo as palmas, os gritos e os assobios. E estava certo.
(Fotos: Francisco Pereira)