Earworm. Esse é a terminologia correcta para quem tem um riff, um verso ou um refrão previamente escutado a ecoar na cabeça. E cada trabalho dos Asterisco Cardinal Bomba Caveira é dotado de um talento enorme para invocar num mero ser humano esse earworm malfeitor, seja tal individuo um roqueiro barbudo, hippie surfista, católico do seu grupo de jovens ou um simples amante do delicioso cliché da pop. As canções de Asterisco Cardinal Bomba Caveira acarretam uma simplicidade que toca a todos e destroem os estereótipos. Sejamos honestos, quer isso nos deixe irritados ou não: foi impossível sair daquele Musicbox, quase cheio, sem ficar com um refrão do antigo EP ou do novo álbum Esta Alegria Nada a Pode Conter na cabeça. E, num Cais Sodré urbano, cinzento e corrompido, que Alegria inocente e veranil se sentiu!
«Quero ser santo!» clamava o Musicbox às 23h10, já in media res. Com a lotação quase esgotada, era possível ver moças e moços a balançar o corpo, corpos esses que eram joviais. Talvez pelo poderio da memória jovem ou apenas pela eficácia das canções, já se ouviam todos os refrões do álbum que estava a ser apresentado.
Mas a festa começava já cá fora: a fila enorme, que ia do Musicbox ao Europa e do Europa encurvava até ao Ménage, estava recheado de tios e tias, guitarristas e baixistas, miúdos com paez calçado, capitães de areia, velhos, João só’s, ciclos preparatórios, amores fúria, até à malta do cabedal, do pesado e do pós punk português. Tudo e todos se reuniram naquela noite de glorificação de uma banda que voltava para apresentar o álbum, 3 anos depois de terem apresentado o EP no mesmo espaço: o Musicbox.
Ao entrar podíamos ver Manuel Fúria na cabine de DJ a passar Future Islands, Capitão Fausto… até estimulando em nós um saudosismo pelos Smix Smox Smux. Enfim. Tudo para amolecer uma Lisboa de coração endurecido pelo conformismo de quem perde a alegria. De coração e ouvidos abertos, era a vez do Manuel Fúria descer da cabine e apresentar uns Asterisco Cardinal Bomba Caveira maduros, que já não levam a «Mariana» de linha azul mas sim de Audi azul e já licenciados (acredito que sim).
Começaram com «Bailes Americanos», ditando o que seria o resto do concerto, uma autêntica boîte com movimentos de ombros e swings, em «Fazendo Surf», que faziam inveja a um John Travolta sanguinário e a uma Uma Thurman de franja. Também houve tempo para declarações de amor em «Mariana», «Amélia», «Bola Para a Frente» ou, «para os que se vão casar» – disse o guitarrista Vasco – em «Até ao Fim». As palmas foram batidas e as canções foram cantadas em todas as cantigas do antigo EP, que já eram familiares a quem assistia a um concerto que só deixou de fora a «Leões e Tigres». Mas são estes os Asteriscos que nos surpreendem com mais canções que se ouvem e se entranham como se já existissem há muito. Mas a Alegria veio em forma de «Primavera», single do novo álbum, que não deixou o público indiferente. Ainda houve tempo para dois encores, um já planeado e outro puxado pelo público. Entre obséquios para encontrar o caminho para o presépio, foi com «Estrada de Damasco» que se exclamava a alegria e beleza da conversão de São Paulo como se fosse uma autêntica estrada que todos precisavam de percorrer para alcançar a Alegria, conscientes ou não.
Ao voltarem por uma segunda vez, retocaram a «Primavera». Desta vez, com direito a uma explosão de cores e contentamento, em forma de um ligeiro moche e, até mesmo, de um crowdsurf.
Quem os viu e quem os vê. Ir ao Musicbox no dia 1 de Julho foi como rever um primo que, ao ultrapassar a puberdade, deu o ‘salto’ e trocou o seu interesse em cartas Magic (ou Pokémon, para os mais novos) por bravas declarações castas de amor, simplicidades do dia-a-dia e uma vontade imutável de ser feliz. Tudo isto em forma de canção. Mas chamemos o primo pelo seu nome: Asterisco Cardinal Bomba Caveira. Apesar dos naturais erros de quem toca tantas canções novas ao vivo, será insuportável retirar os refrões aprendidos naquela jubilosa noite de adolescência matura, simplicidade e canções pop rock bêbedos de riffs saltitantes e de segunda e terceiras vozes de orgulhar uns Wombats.
Aquela era uma festa que a todos pertencia. A Alegria foi a divisa da noite. Em Portugal não há bailes Americanos, mas ali houve certamente um. Thank you, old sports.
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Fotos: Francisco Fidalgo