His ‘n’ Hers é o quarto disco de originais da banda, mas foi aquele que primeiro afirmou todo o seu potencial como fenómeno de massas. Massas algo estranhas, há que admitir, embora numerosas.
Os Pulp, enquanto projecto de vida de Jarvis Cocker, existiam desde 1978, e enquanto banda desde 1981. Mas teríamos de esperar até 1994, em plena progressão da vaga Britpop, para que o mundo se apercebesse do que tinha pela frente.
Os primeiros discos dos Pulp sempre versaram sobre os mesmos temas que haviam de acompanhá-los até ao fim: a estranheza, a inadequação, o sexo, a frustração, a inveja, a desigualdade, o medo. Mas enquanto os primeiros álbuns eram, sonoramente, canções simples embaladas ao som da voz de crooner de Cocker, a banda foi evoluindo para algo mais denso, mais profundo, mais esquizóide. Separations, o disco antes de His ‘n’ Hers, tem um lado A pop, que é Pulp vintage, e um lado B mais electrónico, fruto da descoberta da house music e das drogas que a acompanhavam.
Num interregno entre editoras, os Pulp conseguiram editar uns singles que começaram, finalmente, a fazer mossa na rádio e na tabela de vendas (Intro: The Gift Recordings é um excelente compêndio desses temas e um magnífico álbum de pleno direito). Chamam então a atenção da Island Records, que assim conseguiu vir a colocar uma bandeira em território Britpop. Com uma grande editora a apoiar, pela primeira vez os Pulp tinham a hipótese de concretizar em disco todas as visões musicais de Jarvis, que vivia então um período extremamente fértil em termos de produção de novos temas. Numa banda que teve mais de 20 membros ao longo da sua história (só Cocker esteve lá sempre), His ‘n’ Hers foi já gravado pela formação mais clássica dos Pulp: Jarvis na voz e na guitarra, Steve Mackey no baixo, Nick Banks na bateria, Russel Senior no violino e na guitarra e Candida Doyle nos teclados.
Deixei Doyle para o fim propositadamente, porque este é o disco no qual o seu som é mais marcante. Em His ‘n’ Hers, os Pulp deixam para trás os temas acústicos e as digressões mais experimentais, impulsionadas por Russel Senior, e entregam-se de corpo e alma à pop. À synth pop, para ser mais exacto. Em praticamente todos os temas é o elegante som de sintetizador vintage de Doyle quem dita as regras, e empresta ao disco o ritmo e a vibração que pede noite, e dança.
Esta direcção mais focada e menos dispersa em várias dimensões deu dividendos. O disco, produzido por Ed Buller (muitos discos de Suede, Slowdive, Raincoats ou White Lies), produziu vários singles de sucesso, destacando-se entre todos os extraordinários «Babies» e «Do You Remember the First Time». Aquele que muitos pensavam ser o primeiro disco de uma obscura banda de Sheffield atingiu o nono lugar na tabela de vendas britânica e foi nomeado para o prestigiado prémio Mercury: perdeu, por um voto, para um disco de M People…
Sob uma fachada festiva absolutamente pop, encontramos todo o universo Pulp. As histórias de amor adolescente, que nunca acabam bem e que raramente começam, sendo quase sempre a história de quem ama alguém de longe, com medo de se aproximar. Histórias de «voyeurismo», de ver como os outros se divertem, os populares, os bons, os bonitos, os que se vão sempre safar bem. Histórias de traição, de medo, de insegurança. Histórias trágicas, embora sempre levemente cómicas e auto-depreciativas. São as tardes, as noites e as madrugadas da pequena Sheffield, das discotecas da moda, dos excessos cometidos de casaco de malha, da pobreza, da rua, do que é ser jovem e querer vivê-lo intensamente, mesmo que o narrador seja um tipo estranho e desengonçado chamado Jarvis Cocker.
Com este disco, os Pulp podem ter subido definitivamente à primeira divisão da pop, sempre sem abdicar, ideologicamente, daquilo que lhes dava a sua personalidade distintiva. As letras, como de costume, são de primeiríssima água e verdadeiros tratados de como a música pop pode olhar temas comuns de forma original e profunda.
Com His ‘n’ Hers, os Pulp dão o sinal da máquina de singles que poderiam ser, ao som do sintetizador de Candida Doyle. No disco seguinte, a sua obra-prima Different Class, há finalmente um equilíbrio entre os teclados e a guitarra e outros instrumentos, sendo talvez um disco mais equilibrado e mais coeso. Contudo nunca os Pulp foram tão pop como em His ‘n’ Hers, que lhes garantiu finalmente a atenção que os levaria, apenas um ano depois, ao merecido pódio da Britpop.