Fanfare é uma descarada homenagem ao que considera a época de ouro do rock: o período compreendido entre 1967 e 1975 (e o facto do Sgt. Peppers dos Beatles e o Tonight’s the Night de Neil Young terem marcado o início e o fim dessa época parece dar-lhe alguma razão). Sabemos que o exercício de Wilson é perigoso: quando a fasquia (a nível da produção, da orquestração e do calibre dos convidados) é colocada tão alta, o risco das canções não estarem à altura é muito elevado. Wilson caminha na corda bamba da sua ambição: se as canções fossem fraquitas, cairia redondo no chão, vergado pela pompa excessiva e pretensiosa que colocara na produção do disco. Acontece que as canções são extraordinárias pelo que Wilson mantém um perfeito equilíbrio no arame durante os 78 minutos de duração do disco. É normal que este disco não dê especialmente nas vistas, que não rode muito nas rádios e que não seja um sucesso de vendas. Nada disto ao acontecer surpreenderá muito Wilson:Fanfare não foi feito para ser o sucesso deste Natal mas sim para que perdure à espuma dos dias.
Sexto álbum da pandilha de Bradford Cox mas principalmente o álbum após Halcyon Digest que os colocou num ponto tão próximo do Mourinho que a dúvida era mesmo para onde ir a seguir. Estamos perante um álbum irredutível, quais gauleses com a sua poção mágica, os Deerhunter continuam o seu caminho enquanto o império romano controla o resto do mundo. Eles estão marimbando-se para isso, naturalmente.
8. Unknown Mortal Orchestra – II
Depois de uma estreia bastante formosa, especialmente no mundo blogosférico, do seu primeiro disco, agora é a vez de II-The Second fazer brilharete. Lançado através da editora de referência Jagjaguwar, este disco, segundo consta, foi construído em breves trechos entre combinações e outros trabalhos externos à música. II começa alegremente ameaçador. “Isolation / He can put a gun in your hand”. É um refrão típico daquilo que podemos escutar neste disco. Melodias beatíficas e singelas, mas eventualmente carregadas de explosão melodramática e sem flores no cabelo. Já não vivemos a fantasia dos 60. Agora somos psicadélicos mas conscientes. Conscientes que a sobrevivência não depende apenas das drogas e da música. II transporta novidade absoluta. As melodias são muito coesas, o que em canções repetitivas não é de todo tarefa fácil, e os arranjos lo-fi etéreos acrescentam êxtase à sensação de magia intelectual. Rico, podemos dizer. Esta pérola vem da raridade e do seu valor.
7. Queens of the Stone Age – …Like Clockwork
Só pelos convidados/participantes dá para perceber que este não é um álbum qualquer. Dave Grohl senta-se na bateria de uma série delas, incluindo a “I Appear Missing”; Nick Oliveri regressa para dar a voz e não o baixo; Mark Lanegan empresta a voz e ainda a composição em “Fairweather Friends”; e depois temos ainda Trent Reznor e Alex Turner e os mais inesperados Jake Sheers, dos Scissor Sisters (que detesto), e Elton John. Sim, é mesmo isso. O Sir dá a voz e o piano em “Fairweather Friends”. Há qualquer coisa de muito elaborado neste disco que não se consegue bem decifrar. E é isso que o torna tão bom. São poucos os discos que nos provocam esta sensação de “isto é tão bom, de onde e que isto veio?” ou “isto é estranho, não sei se gosto, mas deixa lá ouvir de novo”. São poucos os discos que se mantém misteriosos ao longo do tempo.
6. Billl Callahan – Dream River
Dream River segue as pistas dadas pelo igualmente muito bom Apocalypse, o disco anterior (até a capa é parecida). Se Sometimes I wish We Were an Eagle tinha toda a solidão e beleza de BC num formato clássico de canção, as últimas investidas de BC são mais esparsas, menos estruturadas, mais livres. Neste Dream River, por baixo de uma aparência de canções, o que há é uma constante deambulação por diversos caminhos, em cada música. Como se os instrumentistas fossem inventando uma estrada, passo a passo, sem plano, e Callahan fosse improvisando as letras e a melodia vocal por cima. Isso dá ao disco uma fluidez impressionante, já que uma qualquer música começa num sítio, serenamente vai mudando e desemboca, fresco, noutro lugar, diferente mas estranhamente coerente com o que vinha antes. É um disco exigente, mas exigente apenas porque pede tempo. Não para percebermos o que tem de especial, à primeira audição é fácil percebermos que estamos perante algo de muito bom e de muito belo. Mas a quase ausência dessa coisa retrógrada chamada “refrão”, por exemplo, não significa música inacessível. Não significa sequer que não estejamos perante canções, porque elas estão lá e são óptimas. Significa apenas que Callahan está a fazer o mesmo – grandes discos e grandes canções – mas seguindo um caminho formal diferente. Um disco menos soturno que outros do mesmo autor, mas com a mesma “gravitas”, de quem sabe o que está a fazer e o que quer dizer.
5. Kurt Vile – Wakin on a Pretty Daze
O álbum arranca tranquilo com “Wakin on a pretty day”, só guitarra simples e a voz característica de Kurt Vile, com uns ligeiros toques country nos arranjos e uma espécie de solo de guitarra a puxar aos anos 70. O primeiro tema do álbum é, sem dúvida, o mais completo e que mostra diferentes registos ao longo dos seus mais de nove minutos de duração. Um bom cartão de visita para as faixas que se seguem. Reconhecem-se bem as influências de Neil Young ou Tom Petty e, em alguns momentos de guitarra, descortina-se Bruce Springsteen, como na segunda faixa, “KV Crimes”. “Walk as Tall” é mais frenética e etérea, quase esquecendo a guitarra forte do tema anterior, bem disposto e com ligeiros toques electrónicos. Vile oferece-nos um bom disco para tardes solarengas de preguiça ou momentos melancólicos, que dá vontade de, chegando ao final, ouvir tudo outra vez.
4. Vampire Weekend – Modern Vampires of the City
Os Vampire com este Modern Vampires of the City mostram-nos, claramente visto (ou ouvido) que estão nisto para perdurar. E fazem-no, como já o fizeram no disco anterior, “Contra”, sempre em evolução, em crescendo, com algo mais a acrescentar. E isso meus caros é cada vez mais raro no indie de hoje em dia, se bem que se formos analisar a banda, ela não é propriamente indie. É uma banda pop que foi buscar a sua alma a Graceland de Paul Simon e com isso criou o seu próprio universo, o seu próprio som, aquele que já podemos definir como som “Vampire Weekend”. O final do disco fica pela primeira vez entregue a uma música exclusivamente da autoria de Rostam Batmanglij, uma peça de piano clássico que resume exactamente o que é este Modern Vampires of the City. Um disco de sabor agri-doce de mas de muita qualidade. E sim. A banda superou a barreira do terceiro disco.
Nenhum ídolo é eterno e o tempo, especialmente hoje, não perdoa a quem se encosta à bananeira dos sucessos e vitórias, e não há nada mais assustador do que a sombra do anonimato que o esquecimento evoca. Deparados com esta situação, arriscamos com a teoria de que Alex Turner assustou-se: como aqueles miúdos que gostam de bater nas jaulas dos macacos e pô-los a fugir, o borbulhante cenário da música alternativa cresceu estrondosamente, novos ídolos nasciam e os antigos iam caindo e os Arctic corriam pela primeira vez o risco de serem ultrapassados. Era preciso fazer algo drástico e rápido. A resposta foi a curva apertada rumo à autoestrada pop-rock. Optaram pela saída mais eficiente.
AM, é o novo e de longe mais boysband”izado” álbum dos ingleses que desde 2006 chocam o mundo da música com um fortíssimo manguito de bom rock puro.
Mala é um disco que o coloca entre o passado e o futuro. O passado que dele conhecemos, com as guitarras acústicas, a produção lo-fi ou as músicas cantadas em espanhol. E o futuro, com a entrada de elementos mais electrónicos e digitais. E apesar destes elementos novos, ele consegue exactamente ser o velho Devendra que conhecemos há vários anos. Neste Mala (que é sérvio para “queridinha”) temos um pouco de tudo. Temas instrumentais, outros cantados em espanhol, em alemão, com coros, só voz e guitarra, com captação de som manhosa, com produção mais sofisticada, com o acender de um isqueiro a marcar a batida. Grande parte das canções são calmas, lânguidas, muitas delas cantadas em voz baixinha, para puxar a nossa atenção total para o som que está a sair do gira-discos e não nos distrairmos com nada que se passe à volta. Neste disco, ele vai buscar a sonoridade de discos antigos, mas sem estar estagnado.
Cada disco não é apenas uma colecção de canções cada uma por si mas sim uma obra temática, uma espécie de ópera-rock com vários actos, onde normalmente estão presentes varias emoções humanas. E essas emoções começam logo com “Reflektor” que, basicamente, dá o mote para o resto do disco. Quem gosta de “Reflektor” gostará de Reflektor. Os outros ficarão desiludidos e nunca mais voltarão a dar tanto valor a Arcade Fire. E o que é que tem “Reflektor” de tão especial? Basicamente resume uma carreira numa só música. Funeral foi há quase dez anos, e de lá para cá a banda cimentou a sua posição sem perder criatividade nem vontade de criar. Em dez anos, quatro grandes discos. O paraíso (ainda) é deles…