O segundo álbum da carreira a solo de Noel Gallagher dificilmente seria um “difícil segundo álbum” porque na prática há que ter em conta os outros sete álbuns dos Oasis, nos quais ele foi o único compositor em mais de metade e, mesmo após ter aberto a porta à contribuição dos outros elementos da banda, manteve-se como o compositor maioritário. Portanto não se dá o caso de Noel não saber o que fazer agora que depende só de si, bem pelo contrário: não só ele sabe o que fazer, como qualquer conhecedor mediano saberá o que esperar. Ou haverá espaço para surpresas e desbravamento de novos caminhos?
Face à indisponibilidade do produtor Dave Sardy, com quem já tinha colaborado no primeiro álbum a solo e nos dois últimos dos Oasis, Noel mostrou a outros produtores as demos dos temas. Todos recusaram a produção, alegando que o álbum estava feito e não tinham nada a acrescentar ali. Deste modo, Noel pela primeira vez assume sozinho a produção de um álbum, acompanhado em estúdio apenas pelo engenheiro de som de longa data Paul Stacey, o seu irmão gémeo Jeremy Stacey na bateria e o teclista Mike Rowe. Outras colaborações aparecerão pontualmente, como secções de cordas, um saxofone, um clarinete-baixo e backing vocals femininos. E talvez seja aqui que começam as surpresas.
O álbum abre com “Riverman”: um andamento inspirado em “Pinball”, tema de Brian Protheroe lançado em 1974, um piano eléctrico a dobrar o ritmo da guitarra acústica, uma voz feminina etérea a dobrar a voz principal de Noel, também ela meio sussurrada. Não custa calcular a impossibilidade desta fórmula no âmbito dos Oasis, não sem que Liam começasse a atirar garrafas de cerveja, cinzeiros ou cadeiras pelo ar, em medida de protesto. Nem a sacramental vénia aos Beatles, com a letra a começar com “there’s something in the way she moves” o apaziguaria, e ainda nem sequer entrou o saxofone. Porque há dois solos de saxofone, ao melhor estilo Dick Parry nos Pink Floyd, um após o solo de guitarra com laivos de Jeff Beck, outro a levar o tema a planar até ao final. E assim se chega ao primeiro single, “In the Heat of the Moment”, com uma batida mais firme, “la-la-las” não muito distantes de um “Charmless Man” dos queridos ex-inimigos Blur e Noel já de pés assentes no chão e pulmões cheios para quase berrar o refrão. “The Girl with X-Ray Eyes” começa por piscar o olho aos conhecedores dos lados-B de Oasis com uma introdução reminiscente de “The Masterplan”, tema obrigatoriamente idolatrado pela espécie referida anteriormente, a entrada em cena da secção de cordas e de um mellotron, para além de mais um solo de guitarra, coisa que não abundava no álbum anterior mas que regressa em força neste.
Falando em regressos em força, “Lock All the Doors” tem toda a visceralidade dos primeiros álbuns dos Oasis, principalmente devido a ter tido a sua origem exactamente nessa altura: uma demo de 1992 cuja parte A originou, em 1997, o tema “My Sister Lover” (lado-B de “Stand By Me”) mas cujo refrão ficou pendurado 22 anos à espera que o resto de uma nova canção se formasse à sua volta. Uma fugaz alusão a “Rock On”, tema de David Essex, de 1973, uma muralha de guitarras e de repente a britpop não envelheceu nem um dia. A maturidade pode esperar até à próxima faixa, “The Dying of the Light”, uma balada de estádio como Noel parece conseguir fazer com uma perna às costas, mas mais ninguém consegue fazer como ele. Dois momentos para ouvir com um braço por cima do melhor amigo e o outro a erguer o copo de cerveja em direcção ao céu, aos quais se segue provavelmente o tema mais inesperado da carreira de Noel. “The Right Stuff” terá todos os ingredientes errados para os fãs mais extremistas: um ambiente de aproximação ao space-jazz, (novamente) uma voz feminina à frente e um clarinete-baixo. E apesar de tudo, parece fazer sentido. Por mais diametralmente oposto que soe a temas como “Cigarettes & Alcohol” ou “Supersonic”, é uma experiência bem-vinda que talvez só a maturidade dos quarentas e a liberdade de uma carreira a solo poderiam tornar possível.
“While the Song Remains the Same” começa com um interlúdio instrumental de 40 segundos, para depois retomar uma temática de escapismo recorrente nas letras mais recentes, neste caso uma fuga em direcção ao ponto de origem (“take me back to the town where I was born/cause I’m tired of being a stranger and I’m miles from home”). É também nesta letra que surge a expressão que dá título ao álbum. “The Mexican” entra com um balanço quase glam, levado por um cowbell e uma secção de metais em aproximações à melodia de “Bitch” dos Rolling Stones. Nota também para a presença nos backing vocals de Gaz Cobain, metade dos Future Sound of London e dos Amorphous Androgynous, com quem Noel chegou a anunciar para 2012 um álbum paralelo ao primeiro da carreira a solo que acabou por ficar pelo caminho, à excepção deste “The Mexican” e “The Right Stuff”, que foram regravados para este álbum.
Já na recta final do álbum, o tempo acelera com a pop efusiva de “You Know We Can’t Go Back”, hipotético material de anúncio milionário no intervalo do Super Bowl, que termina com uma cama de teclados e notas soltas a colar com a seguinte (e última) faixa: “Ballad of the Mighty I”, uma espécie de irmã mais ambiciosa de “AKA… What a Life!!” do álbum anterior, similar na parte rítmica mais dançável mas mais arrojada na composição. Duas mudanças de tom, uma secção de cordas a projectar os refrões para a estratosfera e a guitarra de Johnny Marr a ser a guitarra de Johnny Marr, o que nunca deixou de ser um valor acrescentado onde quer que entre.
Desmentindo o título, Chasing Yesterday está bem assente no presente e comprova a rápida adaptação de Noel ao centro do palco e das atenções, focado e confortável no pedestal que a pop britânica lhe ergueu. Numa altura em que volta a ganhar dimensão a onda de rumores sobre uma reunião dos Oasis, é um bom sinal que se questione se Noel teria mais a ganhar ou a perder com isso. Mas por via das dúvidas e do fanatismo, vota-se sempre a favor.