Uma semana depois do concerto de Les Filles de Illighadad na Galeria Zé dos Bois, o concerto de Mdou Moctar soube a pouco. Ainda assim, houve festa.
A electricidade e os meios de gravação e reprodução sonora, inventados e melhorados ao longo dos séculos XIX e XX, foram factores chave na explosão global do final século passado. Uma pequena parte da utilização desses meios foi aplicada ao registo de tradições musicais mundo fora, eventualmente impulsionando – sobretudo em lugares de cultura tendencialmente oral – a reinterpretação e actualização dessas mesmas tradições.
O Níger é um desses lugares. Se, em primeira instância, o aumento da acessibilidade a meios de gravação e reprodução facilitaram o registo e divulgação das expressões musicais da região do Sahel, a guitarra eléctrica veio depois a tomar lentamente o lugar de instrumentos mais tradicionais e acústicos nas canções nessa região. Foi assim que, nos últimos anos, brotaram desta região – particularmente entre o Mali e o Níger – nomes como Tinariwen, Terakaft, Tamikrest, Bombino, Les Filles de Illighadad ou Mdou Moctar. De guitarra empunhada, estes mensageiros da paz têm vindo a desenvolver um trabalho exemplar no que à resiliência – e à sua expressão musical – diz respeito.
Depois de termos recebido o belíssimo concerto na Galeria Zé dos Bois das meninas de Illighadad, pequena povoação no Níger perto da fronteira com o Mali, foi a vez de Mdou Moctar aterrar na capital portuguesa para transformar a alma tuaregue em impulsos electromagnéticos. Tímido, o músico nascido em Abalak (Níger) abriu o concerto da mesma forma que o disco que veio apresentar. A calma de “Anar”, tema de abertura do recente Sousoume Tamachek (2017), introduziu a quase hora e meia de festa que lhe seguiria. Com duas canções mais lentas a abrir, Moctar e companhia aceleraram o passo e o público acompanhou. Sentimos a ausência do baixo mas as nossas ancas já começavam a ganhar vontade própria, preenchendo esse lugar numa simbiose com a bateria pujante de Hafid Zouaoui.
Curiosamente, ainda que se tenha tratado de um concerto decididamente mais explosivo e electrizante que Les Filles de Illighadad na semana anterior, a prestação de Moctar soube a pouco, por comparação: a velocidade tornava-se, por vezes, atropelo e atrofio e a cada canção o concerto se tornava mais previsível. Isso não impediu ninguém, porém, de desfrutar dos ritmos e escalas quentes, de expurgar os demónios e dançar a catarse debaixo do céu estrelado que imaginávamos na cabeça, dunas no horizonte. No encore, Mdou Moctar brilhou com virtuosismo e empatia, descendo do palco à plateia para tocar e dançar, saindo pelo meio do público até à entrada do Musicbox.