Não é possível definir, em concreto, uma fórmula específica para a música improvisada. Seria minimamente correcto chamar-lhe “liberdade” musical: mas até essa simples palavra pode ter inúmeras definições. Uma pessoa nascida na Noruega não terá, por exemplo, o mesmo conceito de liberdade que alguém oriundo da Arábia Saudita. Da mesma forma, todos os “improvisos” soarão diferentes de conjunto para conjunto, pelo que tentar traçar o género não será apenas impossível, mas inútil.
A improvisação na música abrange, contudo, todas as áreas. Um solo de guitarra nu tema pop/rock pode ser improviso. Na música erudita, especialmente a do século XX, a improvisação permeia grande parte das composições, de Xenakis a Stockhausen, de Henry Cowell a La Monte Young. No jazz, deu origem ao free – música sem regras, indomável e inclassificável. Do silêncio ao ruído, de instrumentos convencionais a objectos tornados música, são inúmeras as maneiras através das quais se pode fazer música improvisada.
O Kodian Trio, composto por Andrew Lisle, Dirk Serries e Colin Webster, escolheu utilizar no seu primeiro álbum os instrumentos com os quais cada membro estava mais familiarizado: bateria, guitarra eléctrica e saxofone (alto e barítono), respectivamente. Cada qual – como acontece em vários conjuntos do tipo – com a sua própria linguagem musical, com as suas próprias noções de pára-arranca: imagine-se três carros com cilindradas diferentes a correrem lado a lado.
O resultado da improvisação, especialmente no jazz (que é onde se insere, grosso modo, este registo) é não raras vezes cacofónico, um choque sonoro onde qualquer noção de harmonia fica à porta. Por ser livre, não há aqui nada convencional – há timbres, texturas, um mood geral que pode ser branco, preto, bipolar… Olhe-se para o primeiro dos cinco temas aqui presentes, que na verdade se chama “VIII”: a guitarra de Serries vai serpenteando sem (aparente) nexo, o saxofone cria algo vagamente semelhante a uma noção popular de melodia e a percussão é espástica, arrítmica; quer isto dizer que “soa mal”? Não: basta sentir.
No caso de I, o sentimento reinante é o de uma enorme tensão – nervosa, assustadora – descrita em sons ao invés de notas. O de uma tensão que dá lugar à violência, expressa em “V”, segunda faixa: choque em cadeia envolvendo os três instrumentos, rebelião a roçar o noise. I não é um disco fácil para o ouvido pop/rock, porque não contém nada que se assemelhe sequer a um protótipo de canção; mas se o apelo do rock for a electricidade, a vertigem, o abismo, então há muito por onde pegar dentro da música improvisada, incluindo este mesmo disco – que, ouvidas bem as coisas, é puramente rock n’ roll.