Bonita homenagem dos Gizzard ao prog rock, tão barroca como frenética e divertida. Porta-aviões novamente ao fundo.
Se há coisa que os Gizzard provam, disco após disco, é que a boa música não se faz só de depuração mas também do seu contrário: do mais desmedido excesso. Tudo nos Gizzard é exagero: as duas baterias, as três guitarras, o ritmo louco de trabalho (dez álbuns em cinco anos, cinco álbuns prometidos só para 2017). Os King Gizzard não são bem uma banda; são uma espécie de hipérbole com colunas de som.
Eis então que chegamos ao novíssimo Murder of the Universe, o álbum mais exagerado da mais exagerada das bandas, prestando tributo ao mais exagerado dos estilos: o rock progressivo (King Crimson e Floyd à cabeça – fase A Saurceful of Secrets).
O disco é feito de três longas músicas, contando três histórias distintas, mas unidas pelo mesmo barroco mecanismo: a narração em spoken word. As duas primeiras histórias são apenas parvas (um homem fundindo-se com uma besta maligna, a luta entre o Senhor dos Relâmpagos e o demónio Balrog) mas a terceira é de uma parvoíce encantadora: um ciborgue que – na ânsia de amar, morrer e vomitar como um simples humano – acaba por engolir todo o universo numa gigantesca golfada de vómito. É isto que eu gosto nos Gizzard: não se levam a sério, brincam, riem-se de si próprios. Através da alquimia do humor, transmutam o metal pobre da pompa prog em ouro sci-fi de série Z. Chafurdam quarenta e cinco minutos na lama do gosto duvidoso. Não faz mal. A ironia tira todas as nódoas.
Outro antídoto torna o exercício prog absolutamente à prova de tédio: a sua estonteante velocidade kraut-punk. Como cada canção-colosso nos é servida de um só trago, sem pausas para respirar, uma panela de sopa de dezoito minutos sabe-nos no final a refresco pop de três minutos. Banda do cacete, amigos.
Em Murder of the Universe, os Gizzard exploram ainda outras coordenadas: as do metal. Algum peso sónico já tinha aparecido no disco-irmão Nonagon Infinity, mas é agora mais assumido e variado, com pinceladas doom à Black Sabbath e outras mais grossas à thrash metal. É assim manifesto outro dos atributos dos Gizzard: a sua versatilidade enciclopédica, nadando com igual à vontade em águas tão diferentes como o garage e o kraut, o psic e o punk, a folk e o metal.
E, no entanto, soam sempre a King Gizzard, graças a um núcleo duro estético que é quase inegociável: as escalas orientais, a rapidez neurótica, as repetições alucinadas, e a redundância da voz com uma das guitarras ou com as teclas (dizendo todas a mesmíssima frase melódica). Conseguir conciliar versatilidade com identidade é uma virtude que só está ao alcance dos maiores.
Que venha agora o terceiro disco dos Gizzard de 2017, e depois o quarto, e logo a seguir o quinto. Já não temos medo da sua fanática loucura.