É, hoje em dia, no ano da graça de 2016, particularmente difícil explicar a um jovem de dezoito anos- que está a descobrir, pouco a pouco, mais e mais referências no mundo da música, quiçá perdido em tanta informação- a razão de tanto frisson à volta de uns Guns N’ Roses.
É, hoje em dia, no ano da graça de 2016, praticamente impossível convencer alguém com mais de quarenta e cinco anos (malta, portanto, que amadureceu musicalmente na década de oitenta) de que os Guns N’ Roses foram uma boa banda.
É, hoje em dia, no ano da graça de 2016, ainda impossível viajar no tempo, para poder falar comigo mesmo com doze, treze anos e perceber o que o levou a adorar estes gajos, ao ponto de obrigar a minha mãe a ir comigo ao Estádio de Alvalade vê-los, ter vários posters no quarto, fazer serões em casa de amigos a ouvir os álbuns, saber as letras de cor, etc.
Ele, provavelmente, responder-me-ia:
- Porque é o que toda a gente ouve.
- Mas puto, isso não é razão suficiente, não tens de ir atrás de carneiradas!
- Mas tens consciência de que não tenho internet, não há rádios alternativas, a MTV ainda não chegou cá a casa e, portanto, como queres tu que procure outras cenas? Isto é o que os meus amigos gostam, e todos queremos dançar como o Axl Rose ou saber tocar guitarra como o Slash (até já me inscrevi nas aulas de guitarra com o João e o Sérgio).
- Epá, pára, que estás a deixar-me nostálgico, caraças. Já sei, vou fazer um especial Guns N’ Roses para o Altamont, é a desculpa perfeita para pegar nos CD’s todos que tenho deles e ouvir tudo outra vez, fechar os olhos, e por um momento, ter outra vez treze anos.
- Faz isso.
E aqui estamos. Passei os últimos quinze dias a ouvir quase exclusivamente Guns N’ Roses, coisa que já não fazia há muito, muito tempo e, com a breca, tem sabido bem. Depois de dez dias a viver em 1992, decidi que já chegava e era tempo agora de voltar a 2016 e ouvir os Guns sem essa cortina de deslocação espácio-temporal, averiguar se isto era mesmo só nostalgia ou se há mesmo algo mais na voz e letras do Axl, nos solos do Slash e riffs do Izzy, no baixo do Duff e na bateria do Adler e do Sorum. Fiquei nesta fase cinco dias. E cheguei à conclusão que sim, inquestionavelmente sim, sobretudo este Appetite For Destruction, que é um disco portentoso de hard rock, de uma banda cheia de carisma, percebendo-se assim o facto de ser o álbum de estreia mais vendido de sempre.
Appetite For Destruction foi uma pedrada no charco das hair metal bands que dominavam a cena do hard rock na altura, e nasceu de uma conjugação de amigos que formaram uma banda na verdadeira acepção do termo, ou seja, todos contribuindo para o resultado final, todos trazendo música e histórias para letras, para depois irem para os copos e drogas até caírem para o lado. E sendo isto o seu dia-a-dia, é isto que o disco reflecte. O encarar o mundo como uma selva cheia de tentações. O perigo de se passar muito tempo a “dançar” com um tal de Mr. Brownstone. Relações recheadas de altos e baixos, resultantes de personalidade disfuncionais. Problemas com a lei advindos de uma juventude irrequieta e marginal. Está tudo lá, consolidado com um dos guitarristas mais virtuosos de sempre, um Izzy muito bluesy mas dando aos seus riffs um ritmo bem mais acelerado, um Duff que servia sempre para agarrar numa canção e a meio mudar de direcção. Não dá para escolher e referenciar esta ou aquela música do álbum, porque é um corpo inteiro: goste-se mais desta ou daquela, ouve-se inteiro.
Mais para a frente tudo já foi diferente, com Axl a transformar-se num fuinha do caraças, que basicamente quis acabar com o recreio dos restantes que queriam só fazer música e beber, e permitiu-se tornar-se dono da banda e fazer umas merdas que não faziam de todo sentido (piano? coros? birras?).
Mas o que é certo é que já se passaram quase trinta anos do lançamento de Appetite e, hoje em dia, parece totalmente impossível ver uma banda de hard rock dominar o mundo como os Guns o fizeram.