David Byrne encheu as medidas de todos aqueles que há muito desejavam vê-lo tocar em Portugal. Antes, Sara Tavares mostrou algumas das razões de ter sido escolhida pelo génio dos Talking Heads para fazer a primeira parte do seu concerto no primeiro dia do EDP Cool Jazz 2018.
Foi com uma noite de verão mascarada de noite de outono que arrancou a sério o EDP Cool Jazz 2018. Os sons quentes de Jéssica Pina, Sara Tavares e David Byrne brilharam como estrelas num imenso véu de neblina. Mas como já vamos estando habituados a esta estranheza climática, tudo bem, sem stress de maior, até porque a “cabeça falante” de serviço vem dizendo, há já algum tempo, que no mundo cinzento em que vivemos, haverá sempre razões de contentamento. E ontem não foi exceção. Bons concertos, boa música, boa diversão! Como prometia, este primeiro dia de triplos concertos ficará na memória de muita gente. Até porque é bom lembrar que David Byrne já por cá não aparecia há cerca de uma década, se não nos falha a memória.
Sara Tavares iniciou o seu concerto por volta das 21:30. Apesar do atraso, o concerto, de tão prazeroso, fez com que o tempo passasse depressa. A menina de Cabo Verde foi escolhida pelo dedo sabedor de David Byrne para tocar antes dele. Percebe-se a razão. O gosto pela world music (termo que, querendo dizer tudo, pouco diz) do grande mentor dos Talking Heads é há muito conhecido, pelo que a escolha foi apropriada. Sara mostrou-nos canções do seu último disco (Fitxadu) e não faltou o encanto da ginga malandra de África. Foi bom, mas curto. A base rítmica estava lançada para o senhor da noite que, como sabemos, desde os tempos de Fear of Music, tem nos sons de África um sólido apoio para muito do que tem vindo a fazer.
Poucos minutos passavam das 22:30 quando David Byrne, sentado atrás de uma secretária e segurando um crânio na mão, mostrou ao que vinha. Cantou a pujante “Here”, tema intimista, passando para “Lazy”, tema nada preguiçoso, dancável como poucos. Tudo muito bem coreografado, músicos, backing vocals, dançarinos e o próprio Byrne em sintonia perfeita. Ao milímetro, nada falhou. Vestidos nos seus fatinhos Kenzo, o espetáculo começava com pompa e circunstância! Com “I Zimbra”, tema icónico do genial “disco de capa preta metalizada” dos Talking Heads, o público terá percebido de vez o grande senhor que tinha à sua frente. O funk tão partícular do norte americano (nascido na Escócia) fez-nos companhia durante mais alguns temas. Ritmo, muito ritmo e mensagens sempre inteligentes e cirúrgicas sobre os tempos que correm e sobre quem neles habita. Nós, pois claro. Ouça-se “I Should Watch TV” ou “Dog’s Mind”, por exemplo, para se perceber o que dizemos. “You need to vote, always. You think you’re safe in Portugal but things are changing in Europe”. Mas, logo a seguir, o tema-convite “Everybody’s Coming To My House” fez regressar a festa, acentuando-se ainda mais esse delirante clima com “This Must Be The Place (Naive Melody)” e “Once In a Lifetime”, ambas distantes do tempo em que foram feitas, mas sempre orelhudamente atuais.
Com onze competentíssimos músicos em palco (David Byrne sendo o décimo segundo) o concerto foi acontecendo com avanços e recuos no tempo (canções novas, canções antigas) sempre em perfeito equilíbrio. De alguma maneira, sobretudo pelo impacto coreográfico, pela teatralidade transportada para o palco, cenário simples e iluminação cuidada, este é o concerto do músico americano que mais faz lembrar os míticos tempos de Stop Making Sense. Quase a “cortar a meta”, três temas históricos de seguida: “Like Humans Do”, “Blind” e “Burning Down The House” E por tudo isto, mas também por este grande final (antes dos encores), a noite ficará na história já grande e bonita do EDP Cool Jazz.
David Byrne está em muito boa forma. Com o seu cabelo branco cortado à la Andy Warhol, o mentor dos Talking Heads mostrou que continua moderno, pós-moderno e eterno como poucos!