Foi aos 20 anos que Bowie, nascido David Robert Jones, editou o seu primeiro longa duração. Apesar da tenra idade, era para ele tarde, muito tarde, para chegar ao sonho que tinha desde criança. E mesmo isso, o sucesso, ainda não estava escrito nas estrelas em 1967.
Como aconteceu com tantos outros britânicos de gabarito, Bowie viu o seu mundo virado do avesso quando, ainda em criança, teve o primeiro contacto com a música de Little Richard, Elvis Presley ou Chuck Berry. Do outro lado do Atlântico, a música evoluía aos repelões violentos, coisa que não acontecia na velha tradicionalista Inglaterra. Desde pequeno, David Jones brincava umas coisas no piano e na guitarra, mas foi o saxofone o instrumento que levou mais a sério, e no qual fez a sua verdadeira educação musical, inspirado pelos colossos do jazz americano. O caminho de Bowie não foi inocente, nem foi por acaso. Sempre quis ser uma estrela pop, e depois de deixar a escola deambulou por uma série de bandas, a maior parte delas seguindo o modelo inicial dos Rolling Stones, de covers de blues. A primeira gravação que lhe é conhecida é do single “Liza Jane”, creditado a Davie Jones and the King Bees. Já como David Bowie a sua assinatura surge pela primeira vez em “Can’t Help Thinking About Me”, da sua autoria com os Lower Third. Era naturalmente uma questão de tempo até se lançar a solo, tal o carácter e ambição única que o seu talento emanavam.
Antes do disco propriamente dito, a estreia a solo foi com o single “Rubber Band”, que viria a integrar o seu primeiro disco de estúdio, homónimo, aquele que nos traz aqui hoje e que inaugura o especial que dedicamos ao génio britânico.
Até pela capa, este é um disco da ‘swinging London’, de Carnaby Street, quando a coisa ainda era mais pelas cores e pelas roupas do que necessariamente pelas drogas ou pela libertação sexual.
Dos 14 temas do álbum de estreia, aquilo que mais chama a atenção é a estranhíssima diversidade das canções. Há de tudo: vaudeville ao estilo musical da Broadway (“Maid of Bond Street”), baladas tradicionais (“When I Live my Dream”), pop descarada (“Love You Till Tuesday”), lirismo naif (“There is a Happy Land”) , valsa (“Little Bombardier”) e coisas ‘novelty’ (“Please Mr. Gravedigger”), entre muita outra coisa.
Na verdade, é um Bowie liberto por estar finalmente só, com as rédeas da sua vida nas mãos, mas ainda sem saber bem o que fazer. Daí que fiquemos com uma mistura de estilos, por um lado, e outros temas com uma sonoridade mais típica do que se fazia então em Inglaterra, e não necessariamente pelos artistas vanguardistas.
Talvez por isso, o segundo disco de Bowie seria igualmente intitulado, inicialmente, David Bowie, um pouco como se, em 1969, o músico se envergonhasse um pouco do que era dois anos antes.
David Bowie, o disco de 1967, partilhou com Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, o dia de edição, mas tudo era diferente entre os discos, em termos de criatividade, de inovação, e até de sucesso comercial. O fracasso de vendas da estreia de Bowie custou-lhe inclusivamente o contrato com a editora, e lançou-o em busca de autenticidade e de um novo caminho, algo que seria uma constante na sua vida e que começou a dar dividendos pouco depois.
Se quisermos, há neste David Bowie duas coisas que são inatacáveis: as letras letradas, trabalhadas de uma forma que não seria necessariamente muito comum em fases mais adiantadas da sua carreira; e a capacidade para, em estilos muito diversos, conseguir sempre sacar uma boa canção pop, ainda que então sem grande personalidade.
Se é um grande disco ou um dos melhores discos de David Bowie? Não.
Mas é um disco obrigatório para quem quer conhecer bem a carreira do camaleão, que se ouve bem do princípio ao fim, que tem várias boas músicas pop e, sobretudo, porque nos ajuda a perceber melhor o início do mistério, quando nem ele se conseguia compreender a si próprio.