Obra máxima do rock psicadélico, Electric Music for the Mind and Body dá exactamente aquilo que promete: exploração e canções, tudo misturado num caldeirão de criatividade que reclama o seu justo lugar na História.
Os Country Joe & The Fish ficaram conhecidos, sobretudo, pela divertida e oportuníssima “I Feel Like I’m Fixing To Die”, tema carregado de sátira e ironia contra a guerra do Vietname. Esse tema, sempre acompanhado do “Fish cheer”, marcou Woodstock, e acabariam, ainda antes, por dar nome ao segundo disco da banda, no final de 1967.
Mas, uns meses antes disso, foi com Electric Music for the Mind and Body que os Country Joe & The Fish se estrearam em disco. É importante marcar o momento, Maio de 1967, porque da enxurrada de excelentes discos psicadélicos do Verão de 1967 – e que temos dado conta neste especial que marca os 50 anos do Verão do Amor – este foi um dos primeiros a capturar a essência de São Francisco e da cultura do rock psicadélico. Como resultado, os Fish entraram no Verão do Amor já como parte da realeza, bem no centro do turbilhão.
A alma da banda sempre foi Country Joe McDonald, guitarrista, vocalista, agitador e compositor da esmagadora maioria dos temas. Este teve formação musical e um gosto ecléctico. Apesar de compor à guitarra, era multi-instrumentista, e aquilo que ouvia – desde os clássicos Dylan e Woody Guthrie a jazz e música clássica – acabou por marcar também o som da sua banda. O Fish vem de Barry “The Fish” Melton, guitarrista-solo, que se juntou a Joe nas escadas da universidade de Berkeley, quando ainda era o folk quem ditava a lei.
Foi, aliás, Melton quem trouxe os restantes membros da banda. Juntaram-se todos à volta do xamã Country Joe, que já estava, aliás, mortinho por electrificar as músicas que tinha composto e que tocava nos bares de folk. Depois de vários EP, a banda acaba por assinar pela Vanguard, e estava finalmente à vista o futuro, a vida de um grupo de rock n’ roll. No início de 1966, os Fish já estavam em São Francisco, imersos na cultura psicadélica local que, na verdade, muito ajudaram a moldar.
A nação estava a mexer, e as drogas começaram a tornar-se comuns como forma de expandir a consciência. O LSD estava a tornar-se omnipresente, e os Fish abraçaram alegremente esse passatempo. Mais tarde, Country Joe McDonald viria a defender que os ácidos não o tornaram necessariamente mais produtivo ou mais criativo, mas deram-lhe novos temas que conseguia explorar, já sóbrio.
Electric Music for the Mind and Body foi gravado numa semana de Fevereiro, num estúdio com quatro pistas. E é incrível ver o que se conseguia fazer com essas limitações. Na verdade, a banda tocou sempre ‘live’ nas gravações, só a voz foi gravada isoladamente, deixando outras pistas para overdubs e efeitos.
Talvez por isso o disco de estreia tenha sido tão bem sucedido, pela capacidade de captar aquilo por que a cena psicadélica de São Francisco era conhecida, o som dos espectáculos ao vivo.
Na verdade, aquilo que mais distingue este disco de outros da época e do lugar é a sua versatilidade, de géneros, de instrumentos, de humores. Sem medo de soar exploratórios, os Fish partiam de estruturas relativamente ortodoxas, como o blues, mas davam completamente a volta a qualquer constrangimento formal (de destacar o papel do órgão barroco e psicadélico de David Cohen, que até era guitarrista de origem).
No primeiro tomo da sua discografia temos músicas com tempo de valsa – “The Masked Marauder” (que é valsa mas também outras dez coisas diferentes) e “Porpoise Mouth”, por exemplo – , temos pop de qualidade em “Flying High”, que abre o disco, temos blues ácido do demónio em “Death Sound”, e temos folk partida e assombrada em “Grace”, dedicada ao ícone Grace Slick, vocalista dos companheiros Jefferson Airplane. (O disco seguinte traria “Janis”, dedicada a Joplin, antiga namorada de Country Joe).
A banda continuou a editar mas foi sendo enfraquecida por mudanças de formação e foi-se desvanecendo, da mesma forma que o próprio movimento hippie se foi desmembrando, tornando mais pesado e menos lírico.
Electric Music for the Mind and Body, bem como os próprios Country Joe and the Fish, de certa forma caíram pelas gretas da História e da memória, de forma absolutamente injusta. O seu papel na consolidação do rock ácido e psicadélico é incontornável, injectando criatividade onde outros só punham energia e/ou divagações exploratórias sem grande resultado.
Tal como o próprio Verão do Amor, foram um evento irrepetível. Apesar de terem continuado a gravar, aquele ano de 1967 foi o momento histórico em que mais foram relevantes, mais foram revolucionários, mais foram livres.
Electric Music for the Mind and Body, esse caldeirão mágico, está aí, disponível para o revisitarmos, e corrigirmos essa injustiça histórica.
Despedimo-nos com as palavras do próprio Country Joe McDonald, quando lhe perguntaram que outras bandas da altura o impressioavam: “Bom, eu gostava muito de ver o Jerry Garcia tocar. Mas pensava realmente que a nossa música psicadélica era a melhor e isso era basicamente tudo o que eu precisava”.