Já tive a sorte de poder passear duas vezes pela cidade de Nova Iorque. Uma delas há bem pouco tempo. Manhattan é onde tudo acontece. Uptown, Midtown e Downtown divididas entre Westside e Eastside. Avenidas que se cruzam com ruas estrategicamente numeradas. Linhas de metro de todas as cores, classificadas com letras do abecedário. Tudo minuciosamente organizado para facilitar o utente, mas à cautela é sempre melhor contar com o mapa como cábula, se não quisermos começar a caminhar na direcção errada. Todos os dias é possível consumir espectáculos na Broadway, concertos de jazz ou jantar fora de horas. Faça neve ou faça sol, os quarteirões estão constantemente cheios de gente, sempre em movimento, agitados, com auriculares, seja para ouvir música enquanto correm ou para falar ao telefone enquanto caminham. Pessoas de todos os tipos, géneros, idades, nacionalidades ou espécie de orientações. Quem já por lá passou confirma que a cidade não dorme. Quem lá vive tem de se habituar ao seu ritmo frenético.
Devonté Hynes foi criado em Londres, mas há muito que se mudou para New York, a terra dos sonhos. O seu mais recente Cupid Delux, o segundo álbum enquanto Blood Orange, é exactamente inspirado na cidade onde agora vive e na sua transição para ali. E a verdade é que, ao longo de todas as suas faixas, cruzamo-nos com locais emblemáticos e ouvimos histórias dos seus transeuntes. Mas há uma sensação de saudade que nos deixa inquietos enquanto as ouvimos. Ele mantem-se sempre como um outsider no meio de NYC. É um observador que, por acaso, vive ali no meio da Big Apple, onde tudo realmente acontece.
Ao longo de Cupid Delux, Hynes canta, escreve, produz e toca guitarra, baixo, teclas, bateria e sintetizadores. Mas este não é de todo um acto a solo. Na verdade há uma infindável quantidade de convidados que colaboraram em todas as faixas. Samantha Urbani (Friends), Adam Brainbridge (Kindness), David Longstreth (Dirty Projectors) ou Caroline Polachek (Chairlift) são alguns exemplos. Misturando a electrónica e os 80’s com o R&B, as vozes sussurradas das convidadas encaixam na perfeição com a de Dev Hynes. Blood Orange consegue ainda surpreender quando se vira para o rap, com a ajuda de Clams Casino, Despot e Skepta.
Mas não se enganem: os convidados são “mais que as mães”, mas o álbum está incrivelmente coeso. Arrisco-me a dizer que este é mesmo o verdadeiro ponto forte de Cupid Delux. Todos os que nele participam compreenderam o conceito do novo álbum de Blood Orange. E isso faz com que a mensagem das letras encaixe com as vozes e a melodia na perfeição. Dá vontade de regressar a New York… mais uma vez!