Os Blondie fazem 40 anos! Essa data merece, obviamente, comemoração. A forma encontrada para celebrar esse período de tempo já circula pelo mundo em formatos diferentes, para todos os gostos e carteiras. Em relação à banda norte americana, e desde os meus anos mais adolescentes, nunca me poupei a esforços para ter tudo o que foram lançando, pelo que é agora muito tarde para começar a fazer exceções. Por isso, a edição Blondie 4(0) Ever – Greatest Hits Deluxe Redux + Ghosts Of Download já cá canta, com todos os seus encantos, mas também com alguma deceção à mistura. Vamos ao que importa, começando por um dos lados verdadeiramente bons do produto. A luxuosa embalagem cativa qualquer fã da banda, e a par dos dois cds – um com 11 dos seus maiores hits totalmente regravados, e outro com o novo álbum da banda – há também um dvd que regista o grupo ao vivo nos idos de 1977, no extinto CBGB, mítica sala da cidade novaiorquina, berço do new wave e do punk, bem como a reprodução de algumas fotos tiradas por Chris Stein. Bonita edição, sem margem para dúvidas. Quanto ao resto, o melhor é respirar fundo, e ter em conta que Debbie, Chris, Clem e restante banda merecem da minha parte o mais profundo respeito, pelo que haverá seguramente (e não de forma tão inconsciente quanto isso) alguma autocensura na resenha que irei redigir, sobretudo dirigida ao novo conjunto de temas que compõem Ghosts Of Download. Fica o aviso feito, e espero que me desculpem duplamente, tanto pela franqueza, como pelo facto de me escusar a dizer verdadeiramente e sem barreiras afetivas tudo o que me vai na alma. Se, feito este preâmbulo, quiser continuar a leitura deste texto, avance com a certeza de que a premissa acima referida terá lugar no que lhe falta ainda ler, tanto neste como em qualquer outro parecer que venha a dar sobre os meus adoradíssimos Blondie.
A fidelidade amorosa tem muitas variantes, como sabemos. E quando esse apaixonado amor tem já perto de 40 anos, mais se notará essa qualidade. Regravar 11 temas dos seus mais de 20 sucessos mundiais poderá parecer um ato de algum narcisismo, mas na verdade há uma forte justificação para esta nova abordagem a temas como “Heart Of Glass”, “Sunday Girl”, “Call Me” ou “Atomic”, uma vez que os Blondie perderam parte (ou mesmo a totalidade, segundo também se diz) dos direitos que naturalmente tinham sobre as suas canções. Assim, regravando-as agora, repõe-se alguma justiça judicial sobre esse facto. No entanto, ouvir os originais tem outro encanto, e embora a voz de Debbie Harry continue a revelar uma certa frescura, perdeu-se alguma da sua extensão sonora, o que não é de estranhar. O problema maior não está neste Best Of, mas em Ghosts Of Download. Aliás, o anterior Panic Of Girls (2011) já dava indícios e pistas suficientes para nos mantermos atentos, em estado de alerta e preocupação pelos caminhos que se adivinhava virem os Blondie a seguir. Tudo se concretizou agora, neste trabalho de 2014.
Dos 13 temas de Ghosts Of Download, apenas 2 estão ao nível (mesmo assim um pouco abaixo) da qualidade a que os Blondie nos habituaram. Quanto às outras canções, o resultado dificilmente poderia ser pior. Há que ter em conta que os Blondie assumiram o risco de fazer algo com sabor a novidade, mas o resultado final não convence, e o som prevalecente é o de uma banda de discoteca em horário de matiné. Não há uma única canção rock em todo o disco! Pior ainda é o facto de ser um trabalho completamente marcado por eletrónicas de gosto duvidoso. Por onde andam as guitarras de Stein, que pouco se fazem ouvir? Por onde anda a excelência das composições da dupla Harry / Stein? E que falta faz Jimmy Destri, meu Deus, que no último álbum de que fez parte nos deu “Maria” e “Nothing Is Real, But The Girl”. Estes novos sons sul-americanizados, estas aproximações a um reggae que não é reggae, estes tons festivos em ritmo mexicano-boliviano, que sentido fazem para quem tem uma carreira fundada em discos como Parallel Lines, Eat To The Beat ou Autoamerican, por exemplo? Enfim, de tudo o que se ouve em Ghosts Of Download sobra pouco, e do pouco que sobra destaco “Sugar On The Side” (com a participação dos Systema Solar, banda muito admirada por Stein e Harry) e “I Want To Drag You Around”. As participações de Miss Guy em “Rave” e de Beth Ditto na há muito conhecida “A Rose By Any Name” não acrescentam qualquer brilho ao disco. Depois destas linhas que tanto esforço e custo me causaram redigir, também é verdade que este novo som dos Blondie pode garantir-lhe um novo público, uma vez que o disco tem energia e abertura sonora para o conseguir. Algumas das críticas que fui lendo em revistas e blogs dão ao disco um destaque que não consigo vislumbrar, perdido que estou e ando no embaraço do que ouço. Pode ser que vá crescendo em mim (ou terei eu que me diminuir nele, já nem sei), mas não vai ser fácil. Resta, finalmente, a boa referência que o dvd incluído merece. Que bom ouvir e ver os Blondie com identidade punk-rock em “Kung Fu Girls”, “Man Overboard”, “In The Sun”, “X Offender” ou “Rip Her To Shreds”! Que bom ver e ouvir os Blondie cantando três canções que nunca chegaram a gravar em qualquer dos seus discos, como são os casos de “Heart Full Of Soul”, “I Love Playing With Fire” e “Palisades Park”, e ensaiando “Denis”. É a estes bons momentos que me agarro, e por isso estou feliz (a felicidade é uma medida manobrável, é bom lembrar), sobretudo porque os Blondie existem, continuarão a existir no presente e na memória que tenho deles. O futuro, contrariando o “There’s No Future” gritado pelos punks, está em aberto, e eu acredito nele, como acredito nos Blondie. Seria bom, nesse tempo que ainda não chegou, mas que vem a caminho, poder vir a escutar um novo disco dos Blondie com o seu mais tradicional line up. Esse facto, por si só, afastaria as nuvens cinzentas dos tempos presentes, e outro sol brilharia intensamente.