Não deve ser fácil carregar às costas o peso de uma antiga e forte tradição artística e ser, ao mesmo tempo, considerado o ponta de lança da nova geração de cantores e compositores de uma França pós Trenet, Regianni, Ferré, Aznavour, Brassens ou Gainsbourg, apenas para mencionar meia dúzia de grandes nomes da cultura musical do pais tricolor. No entanto, e apenas com 28 anos, toda essa pressão recaiu sobre Benjamin Biolay, aquando da publicação do seu primeiro longa duração. Desde esse instante, e até hoje, o porta voz maior da nouvelle chanson française sempre se mostrou à altura desse legado. Antes mesmo desse início em nome próprio, já o artista presenteava Henry Salvador e Françoise Hardy com excelentes composições de sua autoria. Benjamin Biolay misturou, sabiamente e em eficientes quantidades, pop, rock, jazz e eletrónica ao adn musical da canção francesa. Isso tornou-o diferente de todos os outros artistas da sua geração. Isso, e um esmerado apuro lírico que teima em ser, até hoje, marca distintiva da sua musicalidade.Tudo começou com Rose Kennedy, trabalho de 2001. O fascínio por essa figura da história americana resultou num álbum concetual, que teve, numa primeira edição, apenas13 canções. Posteriormente, Rose Kenedy ganhou o direito a uma segunda edição, com uma canção extra intitulada “La Dernière Heure du Dernier Jour”, que finaliza o disco de forma perfeita, e ainda com uma diferente versão de “Los Angeles”. Essa é a edição que tenho, e é sobre esse disco que vos darei a minha opinião.
Para começar, o título do álbum: Rose Kennedy. Alguns momentos da história da família americana, tantas vezes marcada pela tragédia, estão presentes nas letras das canções do disco. Rose Kennedy foi esposa de Joseph Kennedy, mãe de John Fitzgerald, o malogrado presidente, e avó de John John, como todos sabemos. Viveu até completar 105 anos, percorrendo um século inteiro, e a sua trágica vida familiar está, em parte, documentada neste disco de forma muito poética. Desde logo no encanto sonoro de “Novembre Toute L’Année”, tema que abre o disco e lhe confere um ar de elegante dormência fúnebre, servindo de fio condutor até ao seu final. Em “Soixante-Douze Trombones Avant La Grande Parade” estamos perante o trágico momento de Dallas, que poeticamente se canta assim: “Un virage à droite / Et l’histoire dérape / Il n’y a rien à faire / J’ai vue je suppose / Ton tailleur rose / Et j’ai quitté la terre”. Ou ainda, finalizando o disco, ouvimos o que poderiam ter sido os últimos pensamentos de John John, aquando do acidente de aviação que o vitimou, na já mencionada “La Dernière Heure du Dernier Jour”. Rose Kennedy, como se percebe sem reticências, percorre todo o século XX americano, não apenas fazendo uso do tópico kennedyano, mas também nas citações que apresenta, como nos samplers do clássico filme “Some Like It Hot“ em “Les Roses et Les Promesses” e “Un Été Sur La Côte”, com diálogos de Marilyn Monroe e Tony Curtis, por exemplo. O disco, para além de merecer ser ouvido com muita atenção, tem letras que merecem, igualmente, leitura atenta. Para além do que já foi referido, convém dizer que Rose Kennedy comporta três clássicos instantâneos: “Les Cerfs-Volants” (com uma citação da diva Marilyn em “River Of No Return”, que volta a aparecer em “La Palmeraie”), “Los Angeles” e “Rose Kennedy”, canções que ficam imediatamente presas nas cabeças de quem as ouve. Mesmo tendo uma voz relativamente limitada, é difícil imaginá-las cantadas por quaisquer outras, que não a de Biolay. Parece que suspira, mais do que canta, comovendo-nos.
Benjamin Biolay assina todas as canções de Rose Kennedy, sendo que tem, em alguns temas, Keren Ann como parceira, outra voz merecedora de ser trazida para o conhecimento público. Também produz e faz todos os arranjos do disco. É, como se vê, um músico completo. Um artista digno desse nome, cuja importância se tornou tão óbvia em França (e mesmo fora dela), que é cada vez mais idolatrado por um crescente número de seguidores, mas que, no entanto, continua desconhecido da generalidade do público luso. Este texto é, portanto, um pequeno e modesto contributo para tornar menos válido o final da frase anterior.