Os R.E.M. são um nome incontornável na história da música. Mesmo não sendo consensuais, só quem não conhece pode negar a importância e o legado que deixaram.
Por volta das décadas de 30, 40, começou em Holywood uma corrente que incidiu sobre uma forma diferente de fazer teatro e cinema, com nomes como Marlon Brando e James Dean à cabeça, designada por O Método. Basicamente tratava-se de uma forma mais vigorosa de entrar na personagem e assim obter um maior realismo na mesma. E fui buscar isto porque os R.E.M. também criaram um método próprio, único, irrepetível para fazerem a sua música sem concessões à indústria e ainda assim atingirem o sucesso, a fortuna e a glória. Para além, claro, do reconhecimento unânime da crítica.
Sem querer criar aqui um artigo só com factos, que isso podem encontrar na wikipedia, há que relatar uns quantos para mostrar que se fez o trabalho de casa. Como tal comecemos pelo início:
Reza a história que Stipe era cliente assíduo da loja de discos onde Buck trabalhava. A cidade de ambos era Atenas, no estado da Geórgia, o que acho poder dizer ser uma espécie de Alcobaça à nossa escala, ou seja, pequena, mas com uma cultura musical acima da média para o tamanho. Era lá que Stipe ia buscar as preciosidades que Buck escondia (porque as queria para si), discos de Velvet Underground, Patti Smith, Television, bandas da distante e bem mais cosmopolita Nova Iorque, que mostravam que o gosto era comum e certeiro. Berry e Mills juntaram-se na altura da universidade e assim se conectaram os membros residentes da banda. Apesar de haver em Atenas alguma sub-cultura musical, o que é certo é que as bandas viviam sobretudo de rádios universitárias, que suportavam o college rock. Caso único de projeção nacional ali nascido eram os B-52s, que com o seu álbum new wave homónimo de 1979 e uma major por trás (Warner) atingiram um vasto público.
Suportados então por alguma atenção das rádios e por uma tour feita à antiga, numa van a percorrer as terreolas do sul dos EUA durante ano e meio, assim se deram a conhecer os R.E.M. Primeiro single gravado, “Radio Free Europe”, foi também a música de abertura do primeiro álbum da banda, Murmur, lançado em 1983. Um álbum magnífico de uma ponta à outra, momentos perfeitos como “Talk About the Passion”, “Catapult”, “Perfect Circle”, para além da contagiante “Radio Free Europe”, laureado pela crítica, mas insignificante nas vendas. Convenhamos, a editora independente IRS bem queria vender mais, mas não tinha capacidade de distribuição para tal. Mas garantia ao grupo o principal – liberdade artística e como tal foi a editora utilizada para os primeiros 5 álbuns. Seguiu-se em 1984 Reckoning, um álbum para mim ainda mais apetecível que o anterior, mais consistente.
Por esta altura já várias bandas alternativas tinham os olhos postos no método R.E.M.. Sonic Youth, Replacements, Hüsker Dü, seguiram o caminho de apostar em rádios universitárias para terem a atenção que as rádios convencionais não lhes davam, bem como não comprometer a sua integridade artístíca, optando por labels independentes que lhes permitiam isso e ainda assim distribuindo a uma escala suficiente para serem progressivamente conhecidos por uma maior audiência.
Fables of Reconstruction e Lifes Rich Pageant mostraram a variedade de tons de palete com que os R.E.M. nos conseguiam brindar (realce para músicas magníficas como “Driver 8”, “Begin the Begin”, “Fall on Me”, “These Days”, “Flowers of Guatemala”). Sempre em crescendo tanto a nível de atenção granjeada como de profundidade de letras, e experimentações sonoras, eis que chega Document para fazer transbordar o nicho de banda de culto para o mainstream. Com “The One I Love” e “It’s the End of the World as we know it (And I Feel Fine)” não havia mais volta a dar, a conquista estava feita, as rádios nacionais foram tomadas de assalto e não mais conseguiram resistir ao rock efervescente que a banda criava. Estava na hora de dar mais um salto, desta vez mudando de editora para conquistar o resto do mundo que lhes fugia (na Europa nunca tinham conseguido a devida atenção). É sabida e conhecida a decisão de optar pela Warner, que apesar de lhes ter oferecido menos dinheiro que a concorrência, garantiu a não interferência no processo de “fabrico”.
Eis então que chega o primeiro álbum Warner, Green que, naturalmente, desata a vender. Quatro milhões de copias para ser mais preciso fizeram com que músicas como “Stand”, “Pop Song 89” e as mais políticas “World Leader Pretend” e “Orange Crush” chegassem a todo o lado. Satisfeitos pelo reconhecimento, cansados após uma extensiva tour de suporte ao álbum, os R.E.M. decidiram tirar um ano sabático. Voltam apaziguados mas com vontade de experimentar perante a nova audiência, desta feita indo buscar bandolins, guitarras acústicas, órgãos. Assim nasceu Out of Time e a pedrada no charco foi ainda maior. “Losing My Religion” é passada repetidamente no veículo do momento (MTV), chega a número um de singles em vários países, atirando as vendas do álbum para os dois dígitos de milhões. Numa carreira construída de forma gradual, este foi o momento em que, de rompante, as coisas realmente mudaram, transformando os R.E.M. numa banda mundialmente conhecida e reconhecida. E isto, com músicas a meu ver nem tão boas como eles já tinham feito, mas lá está, há razões que a própria razão desconhece. Hoje é-me impossível ouvir “Losing My Religion” ou “Shiny Happy People” dada a insana repetitividade de que foram alvo na altura, mas continuo a adorar e a colocar em repeat “Low” e “Texarkana, pérolas escondidas.
Avancemos pois. Automatic for the People (1992) seguiu as pisadas do álbum anterior, mas sendo mais consistente. A sequência final “Man on the Moon”, “Nightswimming” e “Find the River” é simplesmente estrondosa. Chegando aqui, e como várias vezes o tinham feito, era tempo de baralhar e voltar a dar – recuperar a guitarra eléctrica, riffs ásperos, menor produção – eis Monster. Neste caso é o arranque que agarra à primeira, com “What’s the Frequency, Kenneth?”, explodindo mais à frente com “Bang and Blame”. Os tempos já eram outros, o mainstream tinha-se virado para o rock e os R.E.M. que tinham sido os embriões dessa revolução também queriam mostrar serviço. Infelizmente foi na tour de suporte a este álbum que dificuldades apareceram, sob a forma de problemas de saúde em três dos quatro membros da banda. Desse período restou novo álbum, New Adventures in Hi-Fi (1996), gravado na estrada e o abandono de Bill Berry. Foi imposição do próprio Berry que a banda continuasse e assim foi, durante mais 13 anos e 5 álbuns, até 2011 e Collapse Into Now, carta final de Stipe e comparsas.
O legado que os R.E.M. deixam é inegável. Não só pelo seu próprio trabalho, mas pelas influências deixadas. Souberam ir buscar a essência de bandas que várias vezes reproduziram tais como Velvet Underground, Wire, The Clique, Suicide, Television, Stooges, transformando-os numa sonoridade própria, e utilizando um método que hoje ninguem conseguirá, mas serviu para nos trazer bandas como Sonic Youth, Replacements, Pixies, Nirvana e toda a cena de Seattle. Deixo-vos com o vídeo da cerimónia de inducção ao Rock n Roll Hall of Fame, merecedores pelo discurso de Eddie Vedder que os introduz, mas especialmente pela última música interpretada na cerimónia, “I Wanna Be Your Dog” dos Stooges cantada com Patti Smith. Toda a maravilha e o esplendor do rock nestes 4 minutos.